quarta-feira, 30 de março de 2011

As estrofes de um disco






em homenagem ao brilhante Dire Straits





Eles moravam em um apartamento até que bonito. Flores na janela, poucos móveis, quase nenhuma comida na geladeira e livros por todos os lados. Mas algo não era compartilhado e isso era motivo da mesma discussão de sempre.

- Por que não?

- Porque é meu e não seu. Se você quer igual, então compre os seus!
- Mas são só discos.
- Se pra você são só discos problema seu. Pra mim é mais que isso.
- Deixa de ser boba e vamos juntar logo nossos discos.
- Para de encher o meu saco. É sempre a mesma coisa!

- Nós moramos juntos há 5 anos. Dividimos tudo e ainda assim você não quer juntar nossos discos?
- Você tem sorte de dividirmos tudo. Eu nem comia na mesa com a minha família. Se considere um privilegiado.
- Arrogante!
- Insistente!


E assim seguiam os dias. Eram feitos um para o outro. Citavam Voltaire no café da manhã e pensavam igual sobre filmes. Pode até parecer chato, mas não era.

Ela ouvia jazz e ele blues. Ela gostava do Batman e ele do Wolverine. Ela preferia café com leite e ele sem. Mas essas diferenças nunca foram importantes.
Ele trabalhava em uma gravadora e ela ficava em casa tentando terminar de escrever seu livro.

Já era noite. Ele chegou do trabalho e foi direto para a geladeira.

- Tem alguma coisa pra comer?
- Acho que tem brigadeiro.
- Só?
- Uhum. Comi o último pão que tinha no armário.
- Precisamos começar a comer comida de verdade.
- Provavelmente. Estou começando a achar que miojo não é tão saudável assim...

Ele sentou ao lado dela no sofá, lhe deu um beijo carinhoso na bochecha e ligou a tv.

- Já começou o American Idol?
- Acho que começou há uns 20 minutos. Tô torcendo pelo loiro. - ela respondeu sem muito interesse e os olhos focados no computador.
- Qual deles? O que canta country ou o que parece que tá sempre com preguiça?
- O que tá sempre com preguiça. Gosto da barba dele.
- Achei que você não gostasse de barba.
- Não gosto. Mas nele fica bonito.
- E como anda o livro?
- Uma porcaria. Ainda não consegui passar da página 43.
- Então ela ainda continua naquele banco de parque pensando?
- Sim. Já faz umas três semanas que ela ainda tá na droga do banco do parque pensando!
- Então deixa ela de lado. Desliga o computador e assisti o Idol comigo.

Como ela passou o dia inteiro tentando escrever e tinha perdido a paciência, seguiu o conselho dele sem nenhuma objeção.
Foi até a cafeteira e o café tinha acabado. Foi até a geladeira e o refrigerante tinha acabado também.

- Aaaaaaaaaaaaaaahhhhhh assim não dá! Até a coca cola acabou!
- Que foi? - ele olhou pra cozinha e ela estava gritando com a geladeira.
- VAMOS NO MERCADO AGORA!!!
- Falando com tanta educação não tem como dizer não.

Eles gostavam de andar, por isso evitavam ir de carro para lugares próximos.
Ela adorava tirar ele do sério e ficava dançando no meio da rua e cantando alto só porque ele morria de vergonha.
No caminho eles sempre passavam na mesma loja de discos que ficava próxima a uma cafeteria.
A loja tinha uma atendente muito peculiar. Ela sempre usava camisetas de bandas e o namorado dela nunca saia de lá. Eles ficavam cantando Velvet Underground e conversando com os clientes como se fossem amigos de uma vida inteira.

Ai a discussão sobre juntar os discos começava.

- Até quando vamos continuar comprando discos separados?
- Deixa eu pensar...Sempre!
- Você dorme na mesma cama que eu mas não deixa eu chegar perto dos seus discos.
- Porque meus discos são mais valiosos que nosso apartamento.
- Só porque você tem o 'Dark Side Of The Moon' autografado! - ele falou em tom baixo enquanto olhava os discos.
- E você tem o 'Who Are You' autografado também. Deve valer até mais que o meu.
- Então porque não juntamos nossos discos logo?
- Porque da última vez que fiz isso o desgraçado ficou com o meu 'Blonde On Blonde'.
- Ué. O 'Blonde On Blonde' tava na vitrola hoje de manhã. - ele tentou lembrar quando ela comprou o disco de novo.
- Claro. Porque eu pulei a janela da casa dele e peguei de volta enquanto ele trabalhava.
- Você é uma tarada por vinil.
- E você é tarado por meus lps. Eu vi o jeito como você olha pra eles.
- Eu só gosto do que você ouve.
- Fique longe deles!!!

No mercado compraram mais vinho que comida e já de volta ao apartamento ela fez o jantar para eles enquanto assistiam a um filme alternativo.

- Você teria coragem de me apagar da sua memória como ele fez?
- Só se você me apagasse da sua como ela fez.
- Eu não te apagaria, mas pintaria o cabelo de azul igual ao dela.
- Eu acho mais legal verde.
- Eu sonhei com você a noite passada...
- E o que você sonhou?
- Não me lembro muito bem, mas você fazia panquecas.
- Desde que você veio morar comigo eu nunca mais sonhei contigo.
- Mas isso já faz 5 anos.
- É porque faz 5 anos que tenho o meu sonho morando comigo.

Ela não esperava que ele dissesse algo do tipo e sem resposta lhe deu um beijo com muito afeto.

O céu já estava claro e os raios de sol invadiam a sala. Eles adormeceram no sofá e não viram o filme acabar.

Quando ela finalmente acordou ele já havia saído para o trabalho. Ela permaneceu de pijama e fez café. Decidida que sairia da página 43 esqueceu de todos os possíveis afazeres do dia e ligou o computador.

- O que você tá fazendo em casa essa hora?
- Como assim?
- Ainda tá cedo. Você não deveria estar no trabalho?
- Mas eu já trabalhei hoje e não está cedo. É noite.
- Anoiteceu? - ela foi até a cortina e ao abrir viu que já era noite - a droga do dia já acabou e eu não vi passar?
- Como você não viu o dia passar?
- Eu fiquei na porcaria da página 43 o dia inteiro!
- Posso te ajudar de algum jeito?
- Pode. Preciso de cigarros. Muitos cigarros. Quantos o dinheiro puder comprar.
- Você não vai voltar a fumar. Se quiser beber eu pego o vinho, mas cigarros não.
- Então eu sei o que pode me ajudar. Ouve aquela música comigo?
- Aquela música. De novo? Quantas vezes você ouviu ela hoje?
- Só 7 vezes. Depois disso eu parei de contar.
- Pelo amor da minha vida eu faço qualquer coisa.

Eles sentaram em frente a vitrola com uma garrafa de vinho e ela colocou o disco do 'Dion and the Belmonts' e 'A teenager in love' começou a tocar.
Ficaram sentados lá por horas, sem dizer nada. Uma garrafa, duas, três, até que o vinho acabou e eles adormeceram ali mesmo.


- Quer sua aspirina agora ou depois?
- Quero um cérebro novo. Minha cabeça vai explodir. Se você me deixar beber assim de novo eu te tranco pra fora.
- Vamos. Acorda logo. Tá um dia lindo lá fora.
- Você sabe que é o homem da minha vida né? Mas se você continuar falando alto assim vou ser obrigada a te matar.
- Ok. Então vou ter que ouvir alguns discos seus até você acordar.
- Tá! Já acordei!

Eles não eram muito convencionais, mas sempre que possível davam um jeito de ir a algum parque no fim de semana. Ele levava livros e ela um Ipod.
Sentavam embaixo de qualquer árvore que tivesse uma boa sombra e lá ficavam até que a luz do dia começasse a acabar.

- Vou andar um pouco.
- Quer companhia?
- Não. Pode continuar lendo, só quero andar que nem essas loucas que falam sozinha e olhar para o nada.
- É por motivos como esse que eu não imagino minha vida sem você.
- Não perde uma oportunidade heim?!

E com um sorriso ela foi andar pelo parque e ele a acompanhou com os olhos até aquele vestido florido sumir em meio as árvores.

Ela gostava de andar sozinha pelo simples fato ser o único jeito que conseguia pensar. Olhar para tudo que não fazia parte de sua rotina ajudava a esvaziar a mente.
Ela nunca esteve tão feliz na vida. Tinha o homem que amava e que a amava de volta. Morava em um lindo apartamento. Tinha tudo que sempre quis. Mas ainda assim faltava algo. E era isso que a estava torturando. Não saber o que era.
Tinha dinheiro, pois vivia dos direitos autoriais de uma música que o pai dela um dia escreveu. Por isso trabalho pra ela era dispensável.

- Vestido bonito.
- Obrigada. - ela respondeu com um sorriso para a garota que estava brincando na grama.
- Gostei do seu cabelo também.
- Você é muito gentil. - ela respondeu de novo com mais um sorriso e olhou em volta para ver quem estava com a garota. Mas aparentemente ela estava sozinha.
- O que está escrito na sua perna? - a garota perguntou apontando para a tatuagem dela que ficava um pouco abaixo do joelho.
- É o nome de uma música. 'Comfortably Numb'. De uma banda chamada Pink Floyd. Você já ouviu falar?
- Sim. Meu pai disse que minha mãe cantava uma música deles pra eu dormir.
- Jura? Qual música?
- Eu não sei falar o nome muito bem. 'Wish...' - a garota fez cara que estava se esforçando pra lembrar o nome da música.
- 'Wish you were here'
- Isso mesmo. Mas eu não lembro dela.
- O que aconteceu com a sua mãe?
- Ela morreu quando eu tinha 5 anos.
- E quantos anos você tem agora?- ela perguntou com um aperto no coração.
- 11. Semana que vem faço 12. - garota respondeu com aquele sorriso de criança que adora fazer aniversário.
- Parabéns.
- Obrigada.
- E você ainda ouve a música que ela cantava pra você?
- Sim. Meu pai sempre coloca o disco que era dela e ouvimos juntos toda noite.
- E você gosta?
- Gosto muito. Adoro todos os discos que eram dela. Ela deixou de presente pra mim. Disse que queria que eu gostasse de música boa quando crescesse.
- E ela tem razão. Qual você gosta mais?
- Journey. Eu fico feliz ouvindo eles.
- Que bom. - ela sentiu um calor no peito por lembrar que gostava da mesma banda quando tinha a mesma idade da garota. - Eu preciso ir agora. Mas continue ouvindo essas músicas. Ok?
- Pode deixar.

E ela voltou ao encontro de seu amado que ainda estava lendo embaixo da árvore.
Ela sentou ao seu lado. Tirou o livro das mãos dele e o beijou.

- Você tem que tomar cuidado com eles e tirar a poeira sempre que possível.
- Como assim. Eles quem?
- Se você quiser que meus discos sejam seus também você tem que cuidar deles.
- Ainda não estou entendendo.
- Deixa de ser bobo e vamos pra casa cuidar dos nossos lindos discos.
- O que aconteceu nessa caminhada que te fez querer isso?

E ela paralisou na mesma hora. Agora as peças se encaixavam. A mãe dele morreu quando ela tinha 5 anos e ela ouvia 'Wish You Were Here' com o pai todas as noites. Ia ao parque sozinha, porque antes era a mãe que a levava pra andar entre as árvores.

- Nada demais. Só não me deixe mais tomar aspirina de estômago vazio e de ressaca. Acho que isso afetou meu cérebro.
- Ainda não entendi nada, mas por mim tudo bem.
- Me promete uma coisa?
- O que?
- Se tivermos filhos, não vamos deixar eles ouvirem musica ruim.


E eles caminharam de volta pra casa fazendo planos para sua nova e melhorada coleção de discos.





Continuem buscando os afetos perdidos entre as faixas de um disco
- @JessyMcLovin

terça-feira, 29 de março de 2011

O Titanic avassalador de pensamentos.

ou apenas eu e meu espelho.

(Tive uma conversa com meu espelho esses dias. Perguntei por que raios sou tão inconstante, gosto e desgosto fácil demais e por que não sou um pouco mais alta. O reflexo no espelho, por sua vez, apenas sacudiu os ombros e passou a mão pelos cabelos, apenas para me irritar).
Perguntaram esses dias se eu tinha namorado, eu disse que era assexuada e todo mundo riu. Eu gosto de fazer piada com minha vida amorosa.

Não sou assexuada- se bem que ultimamente tenho todas as ferramentas pra ser-, a verdade é que não tenho namorado. E sinto-me muito bonita quando digo “não, não tenho namorado e nem namorada. Olha como as coisas estão feias pro meu lado!” e a multidão que ouve diz que não acredita que uma menina bonita (leia-se bem vestida) e simpática como eu esteja sozinha. Meu ego vai lá ao céu e volta todo radiante, como um vampiro que brilha no sol de Copacabana.

Também não sou do tipo que fala que está sozinha por pura opção. Estou sozinha por falta de opção, isso sim. Acho que sou exigente demais, nova demais, chata demais ou apenas não quero me acomodar em qualquer relação que esteja suficientemente dentro dos padrões normais.

Os padrões normais? Conhecer os pais, ir a confraternizações familiares, cinema toda semana, restaurante todo sábado e depois uns amassos casuais dentro do carro. E só. Não quero um relacionamento morno e seco.


(O reflexo no espelho arregala os olhos e acusa que estou fazendo drama, porque eu adoro um drama e colocar a culpa nas músicas que falam por mim. E que talvez, eu não esteja dentro dos padrões normais).


Eu não quero isso. Mamãe disse que posso acabar sozinha, mas não ligo. Quero passar meus momentos procurando com atenção do que aceitar qualquer um que me apareça no meio do caminho, não é egocentrismo. É medo. Não quero me apaixonar por qualquer cara que me fale “oi, gata”, só pra não ficar sozinha. Quero me apaixonar por completo.

Quero alguém que segure minha mão e me obrigue a ver “O Exorcista”, alguém que divida a conta do bar comigo, que me leve pra ver o mar, que me elogie e goste dos meus amigos. Alguém que divida seus problemas comigo, alguém que me dê conselhos e que ame a comida da minha vó.
Que no mínimo goste de The Clash e tenha visto algum filme do Marlon Brando. Que goste das minhas pernas finas, meu batom vermelho e meu cabelo preto. Que ache minha mãe a sogra mais descolada de todos os tempos, que me abrace sem eu pedir e que não me ligue, pois sabe que eu odeio telefonemas.

Quero alguém pra ser meu cúmplice, pra rir do meu sarcasmo e pra me comprar cerveja quando sentir que estou precisando de uma guinada no meu dia. Pra dançar comigo dentro do quarto, pra reclamar do meu all star sujo e pra rir baixinho quando eu chorar vendo algum filme.
Alguém que não se importe com minha intolerância, minha altura e minha falta de noção de tempo. Que me mostre ruas novas, coisas novas, que me transforme. Alguém não pra me completar, mas apenas alguém pra dividir as mesmas coisas.

Eu realmente não sei se já encontrei esse certo alguém, talvez eu não esteja olhando para as direções certas. Talvez eu não esteja procurando direito. Ou talvez já o encontrei mas não me dei conta, poderia ter sido aquele que me perguntou as horas ontem, o que vejo todos os dias dentro do ônibus. Aquele me olhou enquanto eu atravessava a rua escondida atrás dos meus óculos escuros. Pode ser aquele que vive implicando comigo ou aquele que fica ali no canto do metrô me olhando enquanto fico cantando pra mim as músicas que soam nos meus fones de ouvido. Aquele que eu dei uma informação, aquele que eu fiquei olhando por minutos e quando ele me olhou, eu fiquei vermelha e abaixei a cabeça. Aquele que eu beijei naquela noite e hoje nem me lembro o nome direito.

(O espelho começa a dizer os nomes daqueles que poderiam e podem dar certo. Eu apenas sacudo os ombros e passo a mãos pelos cabelos só para irritá-lo).

Ou talvez não seja a hora. Talvez o momento seja apenas pra eu me divertir, sair, ver as luzes e dançar ao som de qualquer música dos anos 80. Talvez eu fique pulando de noite em noite, até chegar aos 25 anos e ai sim, sair à procura de alguém. Mas sinto que lá em algum lugar, tem alguém pensando e desejando o mesmo que eu e, sem saber nós mantemos uma relação. Eu aqui, ele lá, juntos pelo mesmo sentimento de busca.

Falei pra mãe que vou continuar procurando, então, se você estiver por ai, pode passar aqui em casa que estou te esperando. E se você não me encontrar aqui em casa, mamãe disse que te convida pra tomar uma taça de vinho enquanto você me espera voltar.

Ou se a gente se esbarrar ali atravessando a Av. Paulista ou descendo a escada rolante do metrô, pode pegar minha mão e me levar pro resto da minha vida.

(Então, eu e o espelho chegamos à conclusão de que somos jovens, pra que nos desesperarmos assim tão cedo? Deixe o sofrimento para mais tarde. Satisfeita com minha resposta, voltamos para a cama, imaginando quando será a próxima noite da cerveja com as luzes dançando pelo meu corpo).
p.s. da narradora
ou eu simplesmente sou nova demais. 19, here i go!
give me a reason to fall in love, take my hand and let's dance,
@PriiiG

sexta-feira, 25 de março de 2011

Meet me in the morning



- Será que eu estou ficando louca? - Ela disse enquanto entrava em um quarto e via a si mesma sentada no chão mexendo em alguns discos.
- Isso depende. Você continua tomando seus remédios? A psiquiatra disse que isso ia te manter longe dos seus devaneios. - A outra ela respondeu ainda prestando atenção nos discos.
- Então isso é um sonho?
- Bingo!!

Ela estava bem confusa, mas já que era um sonho não se importou de tudo aquilo parecer muito estranho.
Logo reconheceu o lugar. Estava em seu quarto, mas ele estava diferente. Não tinha janelas, nem luz. Mas dava pra ver as coisas com clareza.

- Posso sentar ai com você?
- Você que sabe.

Ela entrou devagar e sentou ao lado dela mesma.

- Porque eu estou sonhando comigo?
- Eu sou você lembra? Acho que não sei responder isso.
- E você está aqui por algum motivo?
- Eu não lembro de ter comprado esse disco - a outra ela levantou o vinil do House Martins e mostrou pra ela. - Quando você comprou ele?
- Ué. Mês passado. Se você sou eu deveria se lembrar!
- Eu sou o seu antigo eu. Aquele que você deixou de lado há bastante tempo.

As coisas começaram a fazer um pouco mais de sentido. Afinal a outra ela era mais bonita de certa forma. Ainda tinha os cabelos compridos, uma expressão calma e olhos inocentes.

- Mas como assim eu te deixei pra trás?
- Acho que foi há alguns meses quando você deixou de acreditar em tudo.
- Isso quer dizer que você é minha consciência?
- Não. Se eu fosse sua consciência teria dito pra você não cortar o cabelo. Eu sou mais uma lembrança.
- Mas meu cabelo está feio?
- Não. Só está muito curto.

A outra ela levantou e começou a olhar os livros na estante.

- Porque aqui não tem janelas, nem luz?
- Acho que aqui é sua mente. Porque os livros que você ainda não leu estão com as páginas em branco. - A outra ela virou e mostrou as páginas. O livro tinha capa, mas nada escrito. - Já os que você leu tem tudo escrito. Viu?
- Mas se essa é minha mente deveria ter muita luz. Sempre adorei janelas abertas.
- Aqui costumava ser bem iluminado.
- E o que fiz de errado pra ficar tudo escuro desse jeito?
- Eu acho que você fechou sua mente para o mundo.
- Eu te prendi nesse escuro só por que deixei de acreditar?
- Sim. Mas a culpa não é sua. Ao menos espero que não seja.
- Me perdoe por te prender aqui. Temos medo do escuro.
- Sim, mas se você imaginasse uma luminária já seria de muita ajuda!
- Claro! - Ela fechou os olhos e lembrou de uma luminária que ganhou quando tinha 14 anos, com uma luz bem colorida. Logo o quarto ficou bem iluminado.


Elas sentaram juntas novamente e começaram a conversar.

- Você ainda é feliz como costumavamos ser?
- Acho que não. Pelo menos ultimamente tudo está dando errado.

A outra ela fez uma expressão de que entendia porque ela tinha o rosto tão triste agora. Como se carregasse muitos pesares nos ombros.

- Você ainda gosta dele?
- Não.
- Que bom. Porque se ainda gostasse eu teria que conversar com a sua consciência pra ela te convencer de que ele era o cara errado.
- Mas somos a mesma pessoa. Você também gostava dele!
- Na verdade não. Eu sempre soube que não daria certo, mas nós acreditavamos que eramos felizes . Por isso que se arrastou por tanto tempo.
- Não falo mais com ele. Só pra você saber!
- Ah que bom! Mas e agora? Você gosta de alguém?
- Eu queria muito gostar de alguém. Mas acho que não acredito em sentimentos.
- Se você me tirasse daqui voltariamos a ser a mesma. Afinal você deve saber que todos os seus sentimentos estão guardados comigo.
- Que bom que eles não se perderam. - Ela sorriu. Mas não era um sorriso muito feliz.
- Você tem sorriso desse jeito ultimamente?
- Como?
- Como se nada no mundo fosse motivo pra sorrir?
- Eu tenho motivos pra sorrir.
- Eu sou você, não se esqueça. E nós não sabemos mentir muito bem.
- Será que eu vou ser como era antes?
- Eu espero que sim. Não gosto de ficar presa aqui.
- Eu sinto sua falta dentro de mim.
- Eu também sinto a sua. O mundo é bonito demais pra eu ficar longe dele.

Ela levantou e ajudou a outra ela a se levantar.

- Só tem uma coisa que eu não entendo.
- Se você não entende acho que também não vou entender. Mas o que é?
- Por que eu deixei de acreditar nas pessoas e no meu próprio coração.
- Eu sei de uma coisa.
- O que?
- Enquanto eu ainda morava em você acreditavamos em tudo isso. E podia não parecer, mas eramos muito felizes.
- Eu prometo que vou dar um jeito de voltarmos a ser a mesma.
- Posso só pedir dois favores?
- Sim.
- Acho que você deveria pintar essa parede e talvez colocar um poster bem grande do Darth Vader bem aqui - A outra ela indicava a parede branca perto da porta.
- Fiz isso semana passada!
- Bem que você poderia ter sido mais detalhista nesse sonho né?
- Desculpe. E qual é o outro favor?
- Seja menos grosseira. Todo mundo sabe que você não fala de romantismo e não gosta de demonstrar afeto, mas não precisa dizer que tudo é bichisse ok?
- Você não disse que ia pedir algo impossível.


Elas riram e uma luz muito forte acendeu. Ela viu uma janela aberta bem em frente ao seus olhos. O quarto estava muito iluminado e ela sabia que tinha acordado.




p.s. da autora.
As vezes nos perdemos quando tudo o que queremos é nos encontrar.
Se o seu verdadeiro eu está preso, ao menos deixa uma pequena luz entrar.


- @JessyMcLovin

quinta-feira, 10 de março de 2011

Só mais um café









- Você sabe que tem que parar com isso né?
- Parar com o que?
- Com essa idéia maluca de alma gêmea e homem perfeito.
- Mas minha alma gêmea existe e eu sei que vou encontrá-lo!
- Minha alma gêmea é um copo de cerveja!
- Você deveria ter mais coração sabia? Você é uma garota. Não uma parede!
- Eu sou uma garota. Só não sou idiota e não gosto de qualquer pateta que cruza o meu caminho. Diferente de você.
- Eu sou uma boba e acredito em amor verdadeiro. Estou mais próxima de achar alguém do que você está.
- Sinceramente não sinto a mínima inveja de você. Divirta-se procurando o impossível.
- Divirta-se com a sua cerveja pessoa mais sem sentimentos que conheço.
- Com muito prazer!!!



Ela era só mais uma sonhadora que rabiscava todos os seus cadernos com versos de amor na época do colégio. Imaginava mundos com príncipes vindo a seu socorro.
Se achava piegas, mas não abria mão de seus sentimentos.

Guardava em segredo essas maluquices, mas dividia tudo com sua amiga.
Amiga a qual nem de longe sabia o que era gostar de alguém e usava seu coração apenas para bombear sangue, mas ela se divertia ouvindo as estórias abs
urdas de alma gêmea que ela insistia em contar.

Trabalhava em uma loja de discos e seus melhores amigos eram alguns clientes.
Sofria de insônia mas jamais reclamará disso, pois tinha uma cafeteria ao lado da loja e isso era suficiente para mantê-la acordada.
Sempre recebia cantadas de clientes e de pessoas na rua, pois era incrivelmente bonita, com seus cabelos longos e olhos claros.
Usava constantemente a mesma camiseta do Velvet Underground e um tênis surrado. Ainda assim continuava atraente.





- Você é um homem ou uma princesa da Disney?
- Por que você está dizendo isso?
- Que porcaria é essa de alma gêmea?
- Você não acredita que exista uma pessoa certa pra cada um?
- Claro que não! Que palhaçada é essa? Com tanta mulher no mundo você quer uma só?
- Sim!
- Eu acho que você bebeu tanto que passou do estágio de falar besteira e está começando a devanear!
- Eu só acredito em romantismo. Não tem nada demais nisso.
- Claro que não tem...SE VOCÊ FOR UMA GAROTA!! Você tem 23 anos seu babaca!
- Você nunca se apaixonou, por isso diz essas coisas.
- Paixão é pra quem não tem criatividade e isso eu tenho de sobra.
- Você tem cerveja demais. Isso sim!
- Eu só acho que você está perdendo o seu tempo. Mulher é tudo igual!
- Você tem que ver menos American Pie e mais Amelie Poulain.
- Gay!
- Bêbado!



Ele era diferente de muitos garotos por ai. Estava em busca da garota certa e não se contentaria até encontrá-la.

Vivia se magoando na procura e era motivo de piada entre alguns amigos que o achavam lunático por acreditar em alma gêmea.
Totalmente despretensioso andava pelas ruas com suas botas de combate e jaqueta jeans. Fones de ouvido sempre no último volume.
Frequentava uma cafeteria próxima a uma loja de discos, mas nunca tinha entrado lá. Como sentia muito sono essa era a única coisa que o mantinha acordado.






Era uma quinta-feira de outono, estava frio porém o sol brilhava forte no céu.
Ela acordou cedo pra ir ao trabalho e colocou seu casaco da sorte, apenas para garantir. Sempre estava com a camiseta do Velvet Underground, mas dessa vez foi porque todas as outras camisetas estavam amassadas e ela não teria tempo de passar nenhuma.
Saiu as pressas para dar tempo de tomar o seu café habitual.

Chegando na cafeteria sentiu um frio repentino e só então percebeu que tinha esquecido o seu casaco da sorte dentro do metro.

- Só pode ser brincadeira! Vou ter que oferecer uma recompensa para ter o meu casaco de volta.
- Falando sozinha?
- Eu perdi meu casaco da sorte!
- Poxa. Isso não é nada bom! E ai? Qual é o de hoje?
- Preto, forte e sem açúcar! Porque hoje o dia vai ser longo!

Ela se dirigiu ao caixa com o café quente para viagem nas mãos e uma feição nada agradavel. Ela tinha ganho aquele casado de seu irmão quanto ele foi embora para a Europa a quase 7 anos.

O frio começou a passar conforme ela tomava o café quente e seus amigos habituais estavam na loja aquele dia.

- Nossa que cara horrível. O que aconteceu?
- Perdi meu casaco.
- Que casaco?
- Aquele casaco!
- Não!!!Aquele casaco!! E agora?
- Oferecer uma recompensa não me parece uma má idéia!
- Ué. Vai que seu príncipe encantado traga ele pra você?
- Não fica me incentivando poxa. Senão eu acredito!
- Você que é boba e nessa idade ainda acredita em príncipe.
- Eu vou esperar até amanhã. Deve estar no achados e perdidos de alguma estação. E EU SÓ TENHO 23 ANOS!!


Como ela havia previsto aquele estava sendo um dia muito difícil. Todos os clientes que entraram na loja estavam particularmente mal humorados e procurando coisas específicas demais que não tinham na loja, nem nas redondezas.
Quando ela achou que não fosse mais ter fim já era hora de ir embora. Com um frio tremendo e a cafeteria fechada, ela estava começando a ficar irritada.
Ela gostava do frio. Só detestava ser obrigada a sentí-lo.

Chegou em casa extremamente mal humorada e foi logo dormir.



- Que cara de bobo é essa?
- Nada demais. Só vi uma garota no metro hoje de noite com a camiseta do Velvet Underground.
- E dai?
- Nada. Só achei muito bacana.
- Grande coisa. Só porque é a sua banda favorita.
- É. Nunca conheci uma garota que gostasse dessa banda.
- Hey. Quer esse casaco?
- De onde você tirou isso?
- Achei no metro quando ia para o trabalho. Ele não serviu em mim.


Mais um dia que ela acordava cedo. Dessa vez um pouco mais triste pelo dia anterior. Mas estava decidida a não sofrer por isso. Ia ligar para o irmão para se desculpar e matar um pouco da saudade.

- E qual vai ser o de hoje?
- Com leite e canela!
- Nossa. Está de bom humor?
- Não. Só não vou sofrer pelo meu casaco. Ele vai acabar voltando pra mim!
- Vamos contar com isso.
- Obrigada adorável moça do café que me mantem acordada o dia todo!
- Já te disse que meu nome é Matilde e não 'Moça do Café"
- Eu sei. Só acho mais bonito assim.


E ela se virou para pagar o café com um sorriso no rosto. Quanto olhou para a porta seu sorriso se desmanchou na hora.

- Hey!

Ela chamou o garoto que estava sentado tomando um café com fones de ouvido. Mas ele nem lhe deu atenção.

- HEY!!

E ela o cutucou.
Ele tirou os fones e ela pode ouvir a música muito alta...



...And I guess that I just don't know
And I guess that I just don't know...

Ela ficou alguns segundos olhando os fones enquanto o garoto olhava para ela.

- O que foi?
- Esse é meu casaco!
- Não é não. Ele é meu!
- Eu perdi ele ontem. Me devolve!
- Não. Claro que não. Meu amigo achou ele no metro. É meu!
- É meu casaco da sorte. Preciso dele.
- Espera! Você é a garota do Velvet Underground.
- Que?
- Te vi ontem no metro.
- Tá tá. Quero meu casaco! Quer quanto por ele?
- Como é o seu nome?
- Não importa. Quanto quer por ele?
- Eu só te devolvo ele com uma condição.
- Qual?
- Posso te ver de novo?
- Que? Você é um maníaco ou coisa do tipo?
- Não.
- Bom... não! Quer quanto pelo casaco??
- Não vou te vender o casaco. Ele é meu. E já que não posso te ver de novo ele continua sendo meu!
- Mais que saco!


E ela saiu com tanta pressa que deixou o garoto falando.


- Hey moça do café. Ela vem sempre aqui?
- Ela trabalha na loja de discos!

Ele sorriu para ela e saiu da cafeteria.


- Você gosta de Sonic Youth também? Está me surpreendendo! Bela camiseta.
- Como você descobriu onde eu trabalho maníaco?
- A moça do café.
- Fui traída pela minha própria fonte de cafeína? O que você quer?
- Nada! Pode ficar com o casaco.
- Simples assim?
- Sim. É seu casaco da sorte. Não posso tirar ele de você!
- Poxa. Obrigada.
- De nada. Até amanhã.
- Quê? Como assim até amanhã? Volta aqui maníaco!


E ele saiu da loja com um sorriso no rosto.


- Boa tarde.
- Você voltou mesmo maníaco. O que você quer?
- Nada. Só quero comprar alguns lps.
- E por que tem que ser nessa loja?
- Por que aqui a atendente tem um bom gosto musical. Bela camiseta do Pixies.
- Obrigada. Ok. Trégua. Obrigada por devolver meu casaco. Ele significa muito pra mim.
- De nada.
- O que você está procurando?
- Alguma coisa do Smiths ou talvez do Velvet Underground.
- Você tem um bom gosto musical maníaco.
- Vai me chamar de maníaco pra sempre?
- Acho que sim.

E eles ficaram conversando por algum tempo descobrindo um universo de coisas em comum e combinaram de tomar café no outro dia.
Ela começou a se sentir um pouco mais confortável perto dele.
Ele não a tirava mais da cabeça desde o dia em que a viu no metro.

Ele começou a frequentar a loja só para poder conversar com ela. E quanto ela não podia falar ele só ficava lá fingindo olhar os discos.

Ela agora acordava pensando nele e isso a deixava feliz. Ele até a convidou para sair e ela aceitou.
Foram para o bar onde tocava música dos anos 80 e tinham tanto em comum que brincavam dizendo que tinham sido separados na maternidade.

Passado alguns meses, após as constantes visitas a loja e muita conversa ele não se via mais sem ela em seus dias e que iria mudar isso.




- Posso te fazer uma pergunta.
- Claro que pode.
- Qual a coisa que você mais quer na vida?
- ...
- Não vai responder?
- Só se você não rir de mim!
- Prometo!
- Minha alma gêmea.
- E você maniaco?
- O que eu mais queria eu já encontrei.
- Que bom. E o que é?
- A minha alma gêmea!


E da cafeteira era possivel ver o garoto do Velvet Underground se aproximando da garota do casaco.






Dedico esse post a @RahLovesIt que me ajudou em uma hora muito dificil na minha fase de lack of inspiration..
Rafa...esse é pra você!

- @JessyMcLovin