domingo, 6 de fevereiro de 2011

Eterno Abril





Hoje acordei com o coração apertado, mas diferente dos outros dias dessa vez eu sei o motivo.
É o mesmo motivo que jamais deixará meu coração 100% completo, o mesmo motivo que me fez questionar a fé que minha mãe me ensinou a ter.
O mesmo motivo que sempre me trará lágrimas aos olhos.


É a saudade.

Saudade de um dos homens da minha vida.
Saudade daquele me ensinou que tudo na vida acontece por um motivo e que há sempre alguém olhando por nós.
O homem dos olhos verdes e sorriso sincero. Dono do melhor abraço do mundo e de um coração tão grande que caberia todo o universo dentro e ainda sobraria espaço.


Quando lembro dele sinto um aperto tão grande no coração que parece que estou mergulhando fundo no oceano e aquela pressão pode me esmagar a qualquer segundo.

Lembro que fiquei dias sem comer e chorava toda hora. A saudade tinha virado gente e me acompanhava por todo lado.
Me tornei um vazio tão grande que nenhum amigo, nenhuma bebida, nenhum filme ou música poderia completar.

Fingir sorrisos se tornou algo quase impossível e dizer "- Estou bem e você?" nunca soou tão falso.
Eu só queria ouvir a voz dele, sentir aquele abraço apertado e saber que tudo ficaria bem. Mas era pedir demais. Teria que me confortar nos braços de todos ao meu redor, menos o dele.
Lembro de como ele ficou feliz quando descobriu que eu escrevia e ficou mais feliz ainda quando eu disse que meu primeiro livro seria dedicado a ele.
Ele foi a pessoa que mais acreditou em mim. Dizia que no céu uma estrela brilhava por mim.

Lembro dos muitos sonhos que tive com ele, dos nossos dias de sol.
O presente ficou no passado e não havia mais futuro.


Eu sentava ao seu lado, com um balde enorme de pipoca e conversavamos a tarde toda. Ele segurava a minha mão tão forte que eu sabia que nada no mundo seria tão completo quanto aquele momento.
Ele me contava as histórias de sua adolescência e eu conseguia imaginar tudo.
Ele me dava presentes escondidos e sempre nos recebia com um enorme sorriso no rosto.

Mas chegou o dia em que tudo mudou.
Me disseram que aquele sorriso não estaria ali por muito tempo.
A mão dele já não me segurava com tanta força e a vida estava sendo tirada de seus olhos verdes.
Agora ele já não mais sorria, mas sempre dizia que estava tudo bem.

Se ao menos eu soubesse o que abril me guardava.
Quando ele não mais me abraçava, pois a força já não morava mais em seus braços, eu sentava ao seu lado, lhe dava um beijo no rosto e dizia: " - Oi. Tava com saudade!" e o abraçava de leve com medo de machuca-lo.
Quando eu tinha que ir embora, meu coração ficava menor que um grão de poeira, pois a cada dia nossos dias chegavam ao fim.

A pessoa que nunca tive vergonha de dizer que amava estava sendo tirada de mim e não havia nada que eu pudesse fazer para mudar isso. Eu me encontrava em um abismo, sem corda, sem comida, sem água, sem força pra fugir.
Uma dor do mundo tirou ele de mim. De nós.

Até que o telefone tocou, ele não tinha muito tempo.
Mas de onde eu iria tirar forças para vê-lo?

Agora não se tratava de mim ou de nós. Se tratava dele.
Quando cheguei, fiquei ao seu lado, longe do seu campo de visão.
Ele segurava a mão da minha irmã com muita força, a força que tinha sumido de suas mãos nos últimos dois meses e seus olhos tinham um brilho imcomparável.

Não fiquei lá por muito tempo. Por mais que eu quisesse não conseguiria.

Ao cair da noite o telefone toca. Era o fim.
O fim. E nem todos os abraços do mundo mudariam isso.

O dia 3 de Abril me mostrou que o amor não tem preço e que família também não.
Agora era só eu. Nós. Não mais ele.
Lembro do choro, como um coro entoava pelos corredores.
Não eram lágrimas só minhas.
Eram lágrimas das pessoas que tem o mesmo sobrenome que eu.
E de muitos outros também.


Ele não estava lá quando consegui meu primeiro emprego e não vai estar lá quando eu entrar na faculdade.
Como ele não esteve lá quando tudo o que eu precisava era um abraço dele.
Mas eu não me importo. O que guardo no coração é maior que qualquer dor que possa existir. Eu guardo a lembrança dele e de nossos momentos.

Agora já não choro mais todos os dias. Só quando a saudade bate muito forte e não dá para segurar.

Meu avô morreu de câncer no dia 3 de Abril de 2008.
Um mês após seu aniversário de 84 anos.


- @JessyMcLovin


a tatuagem que fiz que homenagem aos que foram e aos que ficaram. Família.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

11th dimension




porque domingos são bonitos.




Eu sei que ele gosta do Raul Seixas por causa da sua camiseta preta com a cara do Raul estampada. E sei que ela gosta de The Smiths porque quando ela o abraçou e sua camiseta levantou eu vi a tatuagem da banda nas costas dela.



Eu estava esperando o trem e poderia estar estressada por ficar trinta minutos naquela estação sem graça, mas não naquele domingo pois eu mesma estava feliz por estar indo de encontro a alguém em outra estação.

Eles se abraçaram e sentaram no banco ao meu
lado pedindo licença, que eu concedi com um dos meus sorrisos dominicais. Eu estava sem músicas, tinha esquecido os fones de ouvido em casa e por descuido deixei o livro que lia em cima da mesa de jantar. Decidi então, apenas curtir o sol que teimava em brilhar por trás dos meus óculos escuros, foi quando, sem pedir licença eu comecei a escutar o que o garoto Seixas e a garota Smiths conversavam (ou tentavam).

Era o primeiro encontro deles e eles pareciam tão nervosos, interrompendo um ao outro e rindo nervosos com suas próprias palavras. Ela começou a falar sobre o amor e sobre como doía amar e então, ele perguntou se ela já tinha sofrido por amor, o que ela respondeu com um sorriso amargo “e quem nunca sofreu?”. Ele então diagnosticou que o que faz sofrer na verdade não é a situação em si, e sim como nos prendemos àquilo, entramos em uma profunda depressão ouvindo as músicas mais tristes e procurando em todos os cantos a pessoa que nos faz sofrer, porque sofrer é preciso, assim como amar é necessário.

Achei o garoto Seixas super esperto depois dessa.

Ela perguntou como andavam as coisas lá na cidade dele e perguntou isso com olhos tristes e voz carregada de lágrimas. Quando ele pegou a mão dela e disse que nada estava bem, porque parte dele estava ali naquela estação de trem com ela todos os dias, eu constatei que a garota Smiths amava um cara distante.

Quis abraçá-los. Construir uma casa pra eles ali naquela estação de trem só pra eles terem mais tempo juntos, criarem raízes e tomarem café.

Ela disse que tudo ficaria bem, que ela lhe mostraria as ruas dela a ele, e encheria os olhos dele de visões bonitas, pra que quando ele voltasse pra seu ninho, ele lembrasse dela e sorrisse. “Porque eu só quero que você sorria”, ela disse quando ele a abraçou.

Ele riu baixinho e disse que queria um buraco negro apenas pra eles, ela perguntou o motivo. O garoto Seixas disse que seria mais fácil para os apaixonados morarem em buracos negros, “o tempo seria apenas nosso, decoraríamos as paredes do buraco como quiséssemos e nunca nos cansaríamos de viajar juntos pelas dimensões”. Eles entraram numa discussão sobre buracos negros, na qual eu me perdi e constatei que eles já tinham falado sobre isso antes, quem sabe por cartas ou ligações noturnas?

Pelo canto do olho eu o via nervoso passar as mãos pelo cabelo e ela a raspar o esmalte das unhas. Foi quando ele a interrompeu enquanto ela falava sobre os furos de ‘Back to the future’, “por que eu não te conheci antes? Em qual dimensão você se escondia?” ele perguntou (ou declarou) e depois abaixou a cabeça como se não tivesse pensado naquilo antes de dizer. Ela pegou a mão dele e sussurrou algo no ouvido dele que eu não consegui ouvir – o que me deixou bastante curiosa, pois depois das palavras sussurradas, o garoto Seixas sorriu e a beijou.

Então, sem pedir licença constatei que eles estavam apaixonados, mas não sabiam disso ainda, sabiam na verdade, mas não admitiriam aquilo ali em voz alta numa estação de trem.

E em outra situação eu ficaria bastante brava por um casal se beijar ao meu lado, sem cerimônias, eu sou chata o suficiente pra me incomodar com demonstrações de afeto em público. Mas não com aqueles dois, eles estavam na dimensão que haviam criado apenas para eles, e por morarem em planetas diferentes, eu achei que era justo o universo lhes dar aquela estação de trem para darem seu primeiro beijo.

Depois do beijo, o garoto Seixas sussurrou algo no ouvido da garota Smiths que a fez sorrir e constatar que aquele era o melhor domingo da sua vida.

Então eles se levantaram e surpreendida perguntei a mim mesma se eles iam embora dali, sem perceber que o trem havia chegado à plataforma. Entramos no trem e de longe observei os dois, tão cúmplices de algo, tão felizes e tão similares.

Então eu pensei que se eles falavam sobre buracos negros e viagens no tempo, por que eles não poderiam colecionar borboletas?

E morarem no planeta que eles criaram só para eles dentro de seus corações, onde todas as noites eles se encontram e olham o pôr do sol juntos. Onde as músicas nunca são suficientes e o tempo sempre os deixa mais uns minutos para terminarem de ver aquele filme dos anos 80 que ela tanto gosta.

Eu desci antes deles e encontrava minha dimensão ali naquela estação lotada me esperando com um dos seus sorrisos dominicais, feitos apenas para mim.

Tive vontade de acenar para o trem quando ele saiu da plataforma, queria saber aonde o trem levaria aqueles dois com corações tão parecidos ao do Pequeno Príncipe. Me perguntei se eles ficariam bem e que fim levaria aquele dia deles.

Mas dei conta que eu já sabia que eles ficariam bem, porque eles sempre teriam os domingos, pôr do sol e estações de trem para lhes proteger da distancia, baobás e tempestades.

Meus pensamentos sobre o garoto Seixas e garota Smiths foram afastados quando ele (o garoto que dividia uma dimensão comigo) sussurrou algo em meu ouvido enquanto subíamos a escada rolante, e então quando eu dei um sorriso igual o da menina Smiths, eu descobri que sabia o que eles tinham sussurrado naquela estação de trem.

É, eu sabia.


p.s. da narradora:

preciso parar de escrever tanto assim, mas acho simplesmente bonito e necessário mostrar a minha visão sobre os outros.




I took the stars from our eyes, and then I made a map,

@PriiiG