porque domingos são bonitos.
Eu sei que ele gosta do Raul Seixas por causa da sua camiseta preta com a cara do Raul estampada. E sei que ela gosta de The Smiths porque quando ela o abraçou e sua camiseta levantou eu vi a tatuagem da banda nas costas dela.
Eu estava esperando o trem e poderia estar estressada por ficar trinta minutos naquela estação sem graça, mas não naquele domingo pois eu mesma estava feliz por estar indo de encontro a alguém em outra estação.
Eles se abraçaram e sentaram no banco ao meu lado pedindo licença, que eu concedi com um dos meus sorrisos dominicais. Eu estava sem músicas, tinha esquecido os fones de ouvido em casa e por descuido deixei o livro que lia em cima da mesa de jantar. Decidi então, apenas curtir o sol que teimava em brilhar por trás dos meus óculos escuros, foi quando, sem pedir licença eu comecei a escutar o que o garoto Seixas e a garota Smiths conversavam (ou tentavam).
Era o primeiro encontro deles e eles pareciam tão nervosos, interrompendo um ao outro e rindo nervosos com suas próprias palavras. Ela começou a falar sobre o amor e sobre como doía amar e então, ele perguntou se ela já tinha sofrido por amor, o que ela respondeu com um sorriso amargo “e quem nunca sofreu?”. Ele então diagnosticou que o que faz sofrer na verdade não é a situação em si, e sim como nos prendemos àquilo, entramos em uma profunda depressão ouvindo as músicas mais tristes e procurando em todos os cantos a pessoa que nos faz sofrer, porque sofrer é preciso, assim como amar é necessário.
Achei o garoto Seixas super esperto depois dessa.
Ela perguntou como andavam as coisas lá na cidade dele e perguntou isso com olhos tristes e voz carregada de lágrimas. Quando ele pegou a mão dela e disse que nada estava bem, porque parte dele estava ali naquela estação de trem com ela todos os dias, eu constatei que a garota Smiths amava um cara distante.
Quis abraçá-los. Construir uma casa pra eles ali naquela estação de trem só pra eles terem mais tempo juntos, criarem raízes e tomarem café.
Ela disse que tudo ficaria bem, que ela lhe mostraria as ruas dela a ele, e encheria os olhos dele de visões bonitas, pra que quando ele voltasse pra seu ninho, ele lembrasse dela e sorrisse. “Porque eu só quero que você sorria”, ela disse quando ele a abraçou.
Ele riu baixinho e disse que queria um buraco negro apenas pra eles, ela perguntou o motivo. O garoto Seixas disse que seria mais fácil para os apaixonados morarem em buracos negros, “o tempo seria apenas nosso, decoraríamos as paredes do buraco como quiséssemos e nunca nos cansaríamos de viajar juntos pelas dimensões”. Eles entraram numa discussão sobre buracos negros, na qual eu me perdi e constatei que eles já tinham falado sobre isso antes, quem sabe por cartas ou ligações noturnas?
Pelo canto do olho eu o via nervoso passar as mãos pelo cabelo e ela a raspar o esmalte das unhas. Foi quando ele a interrompeu enquanto ela falava sobre os furos de ‘Back to the future’, “por que eu não te conheci antes? Em qual dimensão você se escondia?” ele perguntou (ou declarou) e depois abaixou a cabeça como se não tivesse pensado naquilo antes de dizer. Ela pegou a mão dele e sussurrou algo no ouvido dele que eu não consegui ouvir – o que me deixou bastante curiosa, pois depois das palavras sussurradas, o garoto Seixas sorriu e a beijou.
Então, sem pedir licença constatei que eles estavam apaixonados, mas não sabiam disso ainda, sabiam na verdade, mas não admitiriam aquilo ali em voz alta numa estação de trem.
E em outra situação eu ficaria bastante brava por um casal se beijar ao meu lado, sem cerimônias, eu sou chata o suficiente pra me incomodar com demonstrações de afeto em público. Mas não com aqueles dois, eles estavam na dimensão que haviam criado apenas para eles, e por morarem em planetas diferentes, eu achei que era justo o universo lhes dar aquela estação de trem para darem seu primeiro beijo.
Depois do beijo, o garoto Seixas sussurrou algo no ouvido da garota Smiths que a fez sorrir e constatar que aquele era o melhor domingo da sua vida.
Então eles se levantaram e surpreendida perguntei a mim mesma se eles iam embora dali, sem perceber que o trem havia chegado à plataforma. Entramos no trem e de longe observei os dois, tão cúmplices de algo, tão felizes e tão similares.
Então eu pensei que se eles falavam sobre buracos negros e viagens no tempo, por que eles não poderiam colecionar borboletas?
E morarem no planeta que eles criaram só para eles dentro de seus corações, onde todas as noites eles se encontram e olham o pôr do sol juntos. Onde as músicas nunca são suficientes e o tempo sempre os deixa mais uns minutos para terminarem de ver aquele filme dos anos 80 que ela tanto gosta.
Eu desci antes deles e encontrava minha dimensão ali naquela estação lotada me esperando com um dos seus sorrisos dominicais, feitos apenas para mim.
Tive vontade de acenar para o trem quando ele saiu da plataforma, queria saber aonde o trem levaria aqueles dois com corações tão parecidos ao do Pequeno Príncipe. Me perguntei se eles ficariam bem e que fim levaria aquele dia deles.
Mas dei conta que eu já sabia que eles ficariam bem, porque eles sempre teriam os domingos, pôr do sol e estações de trem para lhes proteger da distancia, baobás e tempestades.
Meus pensamentos sobre o garoto Seixas e garota Smiths foram afastados quando ele (o garoto que dividia uma dimensão comigo) sussurrou algo em meu ouvido enquanto subíamos a escada rolante, e então quando eu dei um sorriso igual o da menina Smiths, eu descobri que sabia o que eles tinham sussurrado naquela estação de trem.
É, eu sabia.
p.s. da narradora:
preciso parar de escrever tanto assim, mas acho simplesmente bonito e necessário mostrar a minha visão sobre os outros.
I took the stars from our eyes, and then I made a map,
@PriiiG
Me emocionei de verdade ao ler esse texto. Sabe, você praticamente narrou o que aconteceu comigo no meu primeiro encontro com o "garoto Sixas" em maio desse ano. Distancia, estação de trem, enfim. Você tava naquela estação aquele dia? haha
ResponderExcluirLindo texto =)