quinta-feira, 11 de março de 2010

A princesa fugiu


- eles disseram.

Ela, a loira mais bonita de toda a Brasília, andava pelas noites atrás de alguma aventura. Cansada de tantos afazeres, tantos sorrisos convencionais, ela queria algo novo, só por hoje.

Rímel, sombra preta, batom pink, calça preta nova, camiseta branca, jaqueta e salto alto, uma modelo nada convencional andando pelas ruas escuras de Brasília.

Avistou uma danceteria, sentiu-se a maioral por poder olhar com cara de desdém ao segurança enquanto ele conferia seus 23 anos no rg. Entrou, foi direto ao bar, primeiro shot de tequila. O DJ tocava uma musica que ela nunca ouvid, ela ouviu o barman dizer que era o “som dos caras de sampa, o som do “restos de nada””. Ela achou o nome patético, aliás, ela achava tudo um pouco patético, espelhos, escadas, a sua fuga para uma noite desconhecida em Brasília.

Ela tinha pavor a paulistas, amava os gaúchos e simplesmente não se importava com os cariocas, fumava (muito) e prometia todos os dias que aquele seria o ultimo cigarro fumado escondido no escritório atrás da planta na cozinha, mais depois de quinze minutos lá estava ela fumando mais uma vez e outra vez.

Gostava de cerveja preta, detestava vinho e garotos loiros e com olhos verdes. Ela gostava mesmo era dos garotos normais, os “punks” que na verdade eram filhinhos-de-papai e faziam moicanos espetaculares pra ganhar as menininhas e mostrarem para os pais que eram garotos únicos que mudariam o mundo – e não é que os filhos da puta mudaram mesmo?

Enfim, a música acabou, ela já estava na terceira cerveja preta e olhava pra pista procurando algo novo. Uma nova música, pessoas cantando com as mãos para o ar enquanto dançavam pateticamente na pista. Desistiu e foi ao banheiro.

Sujo, feio e cheio de garotas vestidas como ela, outras princesas fugitivas- ela pensou.

Uma das garotas puxou assunto enquanto ela lavava as mãos na pia suja, seu nome era Cláudia “mais podia chamar de Claudinha”, ela sorriu, seria bom ter uma “amiga” nessa noite.

As duas então começaram a conversar sobre tudo, música e filmes, nada de livros pois as princesas não gostavam de ler.

-Minha vida cabe num copo plástico, Cláudia- a princesa disse.

A amiga riu dela e pensou que era mais uma garota mimada na busca do próprio eu, todos ali eram assim. A cidade na noite tinha essa morbidez, essa anarquia, essa busca por algo que ninguém sabia.

Foram pra pista, dançar como os outros e rir um pouco de si mesmas. A princesa que já tinha perdido a conta de quantas cervejas tinha tomado, avisa a amiga que vai ao banheiro. Cláudia diz que vai esperar a princesa ali na pista mesmo.

A princesa então vai passando pelas pessoas, às vezes pisando nos pés de algumas, lutando contra a própria cegueira do álcool. Ela tropeça pra dentro do banheiro, tudo gira e ela adora a sensação do mundo girando e de não poder sentir seus pés direito.

Acende um cigarro, vai tropeçando entre as pessoas até o bar, pega duas cerveja, uma preta e uma clara pra-sua-nova-amiga-claudinha. No caminho até a pista, a princesa então é empurrada e derruba as cervejas na calça preta nova, fica puta e prepara um “cacete” pra soltar quando vê quem a empurrou, um punk, muito brasiliense com olhos castanhos. O punk, pede desculpa e ela acha isso muito digno vindo de um punk.

Ele se oferece a pagar mais cervejas pra ela, ficam lá no bar mesmo, Cláudia agora dança sozinha na pista, conversam, ela ri como há muito tempo não ria com um garoto.

Eles se beijam, dão uns amassos no canto escuro do bar. Ela encontra Cláudia e avisa que vai embora.

Ela e o punk trocam telefones, ele a acompanha até a casa dela. Não entra. Um beijinho tímido de boa noite e promete que vai ligar pra ela no outro dia. Ele dá alguns passos e volta até a princesa que dá uma gargalhada. Eles se beijam ofegantes e ela tem o insight “nunca mais vamos nos ver mesmo”. Mais ela será uma exceção.

Ele liga, conversa alheia no telefone, risadinhas, saem pra almoçar juntos, ele vai sem o moicano e com roupas normais e a princesa gosta disso.

Passam a se ver todos os dias, de domingo a domingo, mais conversas, mais sorrisos, . E depois vão a algum bar semi-vazio, depois na sinuca, no motel de beira de estrada, na missa, no restaurante, caminhar no parque, assistir tevê um na casa do outro, no cinema, no supermercado, no museu, na praia no Espírito Santo aos fins de semana, em toda e qualquer cama.

Anos depois, a princesa e o punk (que não é mais punk, agora, ele é básico e curte jazz), se casam. Ambos com carreiras profissionais, carros, contas no banco, apartamento que compraram juntos, dois filhos e o carinho mútuo interminável. E a cerveja preta na geladeira.

E quase sempre antes de dormir, sob os lençóis e abraçadinhos, eles se lembram de como se conheceram e falam sobre destino em sincronia, sobre como tudo têm significado e que a vida, pode, sim, ser maravilhosa.

Seria mesmo foda.
A verdade é que a princesa ao tropeçar no cara-punk-de-olhos-castanhos disse “cacete”, o fuzilou com os olhos e saiu andando em direção ao banheiro, xingando “deus e o mundo” por ter caído cerveja na sua calça preta nova. E depois voltou à pista e depois de vinte minutos partiu com Cláudia para uma festinha em um apartamento de uns caras de uma banda nova. E o punk-de-olhos-castanhos continuou lá, com todos seus amigos punks, menosprezando deus e mundo.
É, teria sido mesmo foda.

P.S.
Não tô pra finais felizes hoje. Roubei a cerveja preta da minha mãe que estava na geladeira. Ouvindo “The Story of The Clash. vol 1 nos fones, pela 5ª vez seguida.
Aaah, as noites de verão.
Ame um punk hoje.
You’re all so beautiful.
PriiiG

Nenhum comentário:

Postar um comentário