quinta-feira, 21 de abril de 2011

O auto da minha compadecida







Acordei em mais uma manhã rotineira. O cheiro de café estava por toda a cozinha.
Ela estava sentada costurando alguma roupa como sempre fazia em seus dias de folga.
No fogão o meu bolo favorito que era receita da família ainda estava quente.

Sentei sem muita pretensão para tomar o café, que logo ficaria frio.
O céu estava azul como uma boa manhã de outono deve ser.
A casa estava particularmente vazia nesse dia.

Ainda não sei como a conversa surgiu, mas o clima de nostalgia demorou a passar depois daquilo.

Fomos transportadas para dias distantes, quando a vida era mais simples do que se podia imaginar. Onde ela havia nascido, em 1952. Onde tudo teve início.

Uma terra árida, onde o sol castigava até o mais nobre dos homens.

Ele tinha 27 anos e ela 20 quando se casaram. Sabiam que a vida ia ser difícil, mas nada os impediria de seguir uma vida de muito amor. Em pouco tempo deram origem a 8 filhos.
O tempo foi passando, mas sabiam que os dias de fortuna nunca chegariam. Porém de nada importava, pois tinham uns aos outros.
O tempo livre era pouco, mas o trabalho era muito.
Ele tocava 'Asa Branca' no violão para entreter os filhos ainda pequenos.
As mãos eram calejadas, a pele queimada de sol. O cabelo liso denunciava sua origem indígena. O coração era jovem e a alma era sábia.
Tinha uma esposa, que era devotada em amor a ele.

Saíram do sítio onde moraram por um bom tempo em rumo a cidade.
Lá passaram por muito. Dias bons, dias ótimos, dias que pareciam não ter fim, dias difíceis, dias onde nem a comida na mesa tinham, dias de saudade do pai que trabalhava longe, dias de alegria quando o pai finalmente voltava.
Rodas de amigos, crianças curiosas observando a conversa dos adultos.
Estórias de tios que juravam ter visto uma assombração enquanto saiam para caçar a noite.

Dias de adolescência, onde ela era disputada pelos jovens da cidade. Sua saia rodada de colegial balançava com o vento quando voltava para casa.
O pai limpava a espingarda de caça, enquanto a mãe cuidada de mais um dos filhos.
Árvores cresciam no quintal e os filhos ficavam mais velhos.
Eles envelheciam, mas o amor ainda era o mesmo, até aumentava se isso é realmente possível.


Meu café já estava mais que frio e eu já havia comido o bolo quase inteiro.
Os olhos dela brilhavam lembrando de seus pais. De como tudo era tão difícil e tão bom ao mesmo tempo. Eu pude sentir que ela daria muito que tem hoje para viver aqueles dias de novo.
Se eu pudesse também pediria para o Dr. Emmet Brown aparecer com o seu DeLorean e me levar para aqueles dias onde eu poderia assistir tudo de longe e sentir a mesma emoção que ela.


Ele morreu 1989. Teve cuidado de não proporcionar nenhuma memória ruim a nenhuma das pessoas que viviam ao seu redor, sendo o mais incrível dos homens.
Ainda hoje todos conhecem seu nome e os pais ensinam a seus filhos quem ele foi.
A cidade tem uma rua com o seu nome.
Ela morreu em 2007. Porém seu coração havia morrido com ele, quando o mundo levou o homem que ela mais amava.



Poderiamos ficar horas conversando só sobre aqueles dias de ouro.
O que é algo que adoramos fazer. As reuniões de família sempre levavam para os mesmos assuntos. Os dias que não tivemos o prazer de viver.
E para descobrir como dos anos dourados só temos a lembranças, basta sentar com quem esteve lá.
Onde os valores não se baseavam no que você possuía e sim com quem você teve o prazer de conviver.






P.S. gigantesco da autora:
Não conheci meu avô, pois nasci em 1990 e não convive com a minha avó. Mas os dias que passei ao lado dela foram suficientes para ficar apaixonada por ela enquanto minha vida durar.
Minha mãe conta as histórias de antigamente com alegria e tudo o que sei fazer é sentir muito inveja dela.
Eu conseguiria escrever durante dias sobre as histórias que ouvi.
Sempre que minha outra avó vem nos visitar eu dou um jeito e a faço contar estórias de mais antigamente ainda. Você ter o prazer de conhecer alguém que nasceu em 1924 e não tirar proveito nenhum disso, eu sinceramente considero maluquice.
Também me aproveito do meu pai nessas horas e sem que ele perceba, já me contou sua vida inteira e suas travessuras de adolescencia.

Se você nunca sentiu essa nostalgia que mencionei em cada palavra desse texto, acho que está na hora de sentar com os seus pais por pelo menos 20 minutos e pedir para que eles contem um pouco dos anos dourados.

Continuem nostalgicos meus caros leitores
@JessyMcLovin

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