quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Chuva e alguma linguagem


Hoje, o Decepção conta com uma participação linda, da nossa querida amiga distante (mas nunca ausente) Sandrine Faria, que está longe de nós mas sempre presente com sua poesia, conselhos, sarcasmo e amizade.
Porque não podemos nos abraçar quando é preciso, mas tendo um texto dela aqui no Decepção já diminui a distância.

Uma das coisas mais bonitas que já li sobre o amor e a chuva. Deixo vocês meus lindos leitores com a querida Sandrine

@PriiiG






Era mais uma dessas manhãs que começam chovendo e quando a gente acorda implora pra continuar assim o dia todo. Chovia, chovia, uma chuva calma, porém incessante. Como de costume, fui até a varanda, sentei-me ao banco, acendi um cigarro e fiquei apreciando toda aquela água desaguar. Ver a água cair é um espetáculo à parte e totalmente impagável. Se um dia alguém tentar pagar o que se sente quando a chuva cai não encontrará uma única moeda. E o céu nublado, cinza, coisa mais linda. Dias cinzas são os mais alegres. E sempre que o dia está cinza eu repito "Quero dias cinzas todos os dias".


Só havia eu e o vento, e agora alguns passos. Veio em minha direção, cabelos ao vento, camisa larga, sem calças e com uma tal calma. Já não sabia mais se ouvia o vento ou a sua respiração. Sentou-se sem dizer uma só palavra ao meu lado, encostou a cabeça no meu ombro enquanto eu olhava para o horizonte e consumia o cigarro. Não me movi, não se moveu, ficamos ali apenas. Tomou o cigarro da minha boca e riu. Abaixou a cabeça, deu a última tragada possível e o jogou. Eu fiquei olhando, era a coisa mais dócil a se fazer. E rimos. Voltei ao meu estado inicial de fixação no horizonte molhado de chuva, passou os braços pela minha cintura e voltou a colocar a cabeça em meu ombro. Retribui e inclinei a cabeça sobre aquela que estava a me fazer peso ao ombro esquerdo.


- Já viu em outro lugar algo mais lindo? - Perguntei.
-Refere-se à que? À chuva ou à paisagem?
-O conjunto.
-E quanto dura o seu sempre?

-Meu sempre é a vida toda.
-Vai viver a vida toda na chuva?
-Eu disse "Essa água que cai será você um dia a me inundar de alegria", mas não quero um dia, quero todos os dias.
-Espero que a máquina de secar roupas sobreviva.


Rimos e rimos. Só haviam palavras dóceis ali. Jamais, em momento algum, havia ausência de calma ou qualquer tipo de alteração de ânimos. Sempre havia o mesmo padrão na expressão, nem excessiva, nem ausente, na neutralidade. Aos olhos alheios, tudo o que disséssemos seriam sempre diálogos frios, mas para nós eram os mais elaborados. 


-Vai querer ser minha chuva ou vou ter que morar no chuveiro?
-Se você não gripar, nem ficar o dia todo na cama por causa disso, serei a sua chuva
-Mas e se eu ficar na cama, hein?
-Aí a gente fica por lá, que tal?
-E daí você vai chover todos os dias na minha cama?
-Vou pensar... - Olhou me rindo e abaixou a cabeça. 


Tomei-lhe as mãos, me coloquei frente à face, e abraçei-lhe. Era do tipo de abraço que nenhum algodão seria o mais confortável. Aquele abraço que dá vontade de esquecer a casa e querer morar nele. Era o abraço que dava vontade de querer morar dentro daquele ser só pra jamais ousar se perder em outros braços. 


-Por favor, não me venha com dias ensolarados, eu quero que seja meu céu cinza - Eu disse
-Sem nenhuma claridade, prometido.
-Sem ironias, quero que seja todas as minhas hipérboles.
-Você nem precisa de mim pra isso, já é a hipérbole em pessoa -Falou rindo.
-Minhas hipérboles são dignas do nome somente quando se referem à você, caso contrário se tornam dramas frustrados.
-Serei, então, todas as suas hipérboles, e dramas, e ironias ...
-E meus gerundismos!
-Por que quer que eu seja seus gerundismos?
-Quero que seja meus gerundismos pra dizer que estou chorando, rindo, me desfazendo, derretendo, fortalecendo, enfraquecendo, me apaixonando e amando a cada dia mais você.


Vi naqueles olhos uma ameaça de lágrimas, mas se conteve, e me deu um riso. Porém, um riso que queria chorar de uma certa alegria. E ainda chovia, chovia, mas naquelas olhos não chovia, só uma espécie interminável de alegria. E abraçou-me, quis praticar meu gerundismo me derretendo, me desfazendo, me apaixonando.


-Fiz o café do jeito que gosta.
-Forte e doce?
-Exatamente. E acho melhor ir tomar antes que esfrie.
-Café nunca é o mesmo depois de aquecer, porém o amor é único que esfriando ou aquecendo continua o mesmo
-Só perde o gosto
-Só perde o gosto o amor que esfria ou esquenta se não é amor de verdade
-E o seu amor, perde o gosto?
-O meu amor é aquele que sofre, se contenta, esfria, aquece, esquece e lembra, mas continua o mesmo. E o seu?
-Sem mais, eu amo você e o seu amor.
-E eu amo você, seu amor, essa camisa e seu café.
Puxou-me pela mão, rindo, com aqueles passos leves, a pele fria e me pôs pra dentro. Fechou a porta, e chovia. Ainda bem que fechou a porta, porque depois do café eu estava querendo tomar aquela chuva na cama, com todas as hipérboles e gerundismos possíveis.

@SandrineFaria

3 comentários:

  1. Amei, amei demais ver meu texto aqui. Muito obrigada pelo convite. E muitos, muitos acessos ao blog de vocês, suas lindas! <3

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  2. Ai que texto formidável! Digno de comentários bonitos.

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