terça-feira, 23 de novembro de 2010

Je t'aime, monsieur

O tempo foi passando sem eu perceber, e acabei encontrando dificuldades das quais jamais imanei que teria, dizer que gostei disso seria hipocrisia, mas nada me deixou mais feliz do que fazer aulas de francês.
Começaria o curso amanhã bem cedo, e eu mal podia esperar.
Estava tão animada como nunca ficara antes.Totalmente diferente do primeiro dia de aula da minha vida, aqueles dias que eu chorava sempre, esperando dar a hora certa para que pudesse ver os rostos dos meus pais.
Mas agora eu era uma garota crescida, quase uma mulher, bem, tirando o fato de ter dezessete anos. Minha vida ficou bem melhor depois que entrei na faculdade de comércio exterior, já havia pensado em inúmeras, mas só esta poderia me fazer feliz de verdade.
Comecei o curso de francês porque minha chefe havia deixado claro que talvez ano que vem, eu fosse com ela para Paris.
Paris... a cidade das luzes. Uma cidade de artistas e poetas que vivem de inspiração e papéis. Eu não contei a ela, mas um de meus sonhos era visitar aquele lugar.
Em meus catorze anos de idade, comecei a ver filmes franceses. Romances e dramas levavam-me a um martírio de lágrimas sem fim, era sempre a mesma coisa.
Um amor não correspondido ou uma morte prematura, aquilo me deixava mais do que triste, ficava arrasada e afogava minhas mágoas debaixo dos cobertores.

O dia amanheceu nublado, do meu jeito favorito. O asfalto das ruas de Porto Alegre estava molhado devido a chuva repentina que ocorreu ontem, pelas quatro e meia da madrugada. E ainda assim, gotículas caiam do céu, dançando ao colidir com as folhas verdíssimas das árvores de minha rua.
O cheiro do orvalho lembrava muito o perfume de um amigo, e parecia estar fresco em minhas lembranças.
A escola ficava a poucos metros de minha casa, sempre a via quando passava pelo caminho de ida e volta ao colégio, desejando imensamente entrar lá para matar minha curiosidade.
Agora eu não precisava bancar a curiosa, era uma aluna como outra qualquer, e acreditem, isso me deixava extremamente feliz.
Cheguei por volta das sete horas, a aula só começaria em quinze minutos.
Decidi entrar na sala primeiro, conseguindo minha carteira lá no fundo. Eu era uma boa aluna, e me dedicaria ao máximo, mas odiava ser daquelas que só sabe sentar na primeira ou segunda carteira, nada contra, é pura preferência.
Aos poucos, a sala foi ficando cheia, e para a minha surpresa, só haviam garotas lá.
Todas de minha idade, talvez um pouco mais velhas, mas a classe não passava da fixa etária de 19.
A porta soou, e uma silhueta masculina apareceu, para meu alívio, talvez eu não fosse encarregada de ter o título de “aparentemente mais jovem”, um de “o único menino” seria alvo de atenção.
Mas o homem não sentou em carteiras, dirigiu-se para a mesa do professor, colocando os pés nela.

─ Bonjour

Por reflexo, levantei meu rosto na direção do som de sua voz. Então ele era o professor? Um cara que não tinha mais de vinte e cinco.
Ele acompanhou o meu olhar, como se pedisse para eu que retribuísse sua saudação.

─ Quel est votre nom?

─ Julia.

─ Jullie ─ Ele disse, usando um sotaque tão bonito que minhas mãos soaram.
E não era apenas o seu sotaque que era bonito. Ele não era comum, estava fora dele. Seus olhos eram tão expressivos, de um tom negro profundo. A pele branca e os lábios rosados o presenteavam com um ar tão sensual que sua postura desleixada não me incomodou mais.
Ele não precisava das regras de etiqueta para encantar alguém.

Distribuiu folhas, contendo poemas e músicas. De um lado em francês, do outro a tradução. Eu conhecia algumas músicas, mas nunca tive a curiosidade de ler os poemas. Justo os poemas ! Como fui burra.
Sabia que assim que chegasse em casa, iria ler todos os poemas que haviam sido escritos disponíveis na internet.
Um pouco antes de dar oito e quarenta, Leandro nos dispensou, e saiu antes de nós apressados.
Ouvi alguns comentários em relação a aula, outros em relação a ele e seu jeito de adolescente.
Eu imaginava que a adolescência era só uma fase, então por que ela não o deixou ? Se algo poderia deixá-lo, isto é, ao meu ver ? Impossível.
Oh sim, seu nome era Leandro. Um nome que não fazia alusão a nada, eu nunca havia conhecido alguém com esse nome, mas acredito que se conhecesse, a imagem da pessoa teria se dissipado para ser substituída pela dele.

Meu progresso nas aulas foi notável, e sem esforço tornei-me a melhor nas aulas. Animada, chegava pontualmente, sem faltas e sempre com algo novo para perguntar.
No fim da aula, ele pediu para que eu ficasse. E nosso diálogo foi mais ou menos assim :

─ Algum problema ?
─ Nenhum. Por quê ?
─ Não sei, você nunca pediu para que eu ficasse.
─ Não é nada demais, as vezes peço.
─ Hm... Então o quê é ?
─ De onde vem essa sede de poemas ? Você adora poetas, não é ?
─ Sim, é verdade. Mas nunca havia lido os franceses, agora que entendo um pouco melhor, leio um por dia, pelo menos.
─ Você escreve ?
─ Escrevo alguns, mas não são bons.
─ Eu posso ver ?
─ É para o curso ?
─ Não, só curiosidade. Você é um enigma, talvez pelas palavras, eu saiba o que está acontecendo com você.

Um baque. Ele desconfiaria que minhas mãos sempre suavam quando ele me perguntava algo? Seria uma espécie de “consulta psicológica” essa conversa?
Engoli em seco, fitando-o para absorver aquela beleza de um jeito patético. Eu sofria, cada vez que ele se calava eu sofria. Sofria com a ausência de sua voz.
Era ridículo e muito clichê, mas era certo que ele havia percebido algo.

─ Não entendo.

Ele abaixou o rosto, levantando o meu com a ponta dos dedos, era um tanto quanto alto, fizemos contato visual.

─ Por favor, me mostre.
─ Não são dignos de sua leitura.

Ele sorriu, acariciando minha bochecha com o polegar.
─ Eu posso decidir isso, não é?
─ Por que você... faz isso?
─ Não sou eu, é você. Tem idéia de como é difícil ser duas pessoas?
─ Duas?
─ Não finja que não entende, estou me sentindo humilhado por dizer isso a você sabendo que pode abandonar tudo isso por minhas bobagens. Ser poeta e ser professor soa com uma combinação particular, mas ser apaixonado e ser professor é impossível, entende o que eu quero dizer?

Afastei-me, enxergando a dor que ele sentia em seus olhos.
─ Eu entendo.
─ Não posso continuar assim, meu controle emocional é tão amador que me vejo como adolescente. Eu não consigo mais. Você se mostra tão interessante, que ao conhecê-la, vejo que é mentira, supera sua aparência. Você não pode me amar, Jullie.

Eu não podia, mas o amava. Queria dizer a ele, queria mostrar o quão meu coração dançava a cada poema lido.
Suas palavras eram de uma ternura da qual eu jamais poderia me esquecer, e eu sabia muitíssimo bem que mesmo daqui há alguns anos, eu lembraria de sua voz lendo-os.

─ Você quem não quer ser amado, mas é tarde, muito tarde. E por mais que eu veja nossos caminhos se distanciarem, você sempre estará presente em meus sonhos junto da Torre Eiffel.

E ele me abraçou, acalentando-me da maneira mais carinhosa que um homem poderia me dar. Tenho certeza que não precisei dizer com palavras claras o quanto o amava, deixei-as nítidas o suficiente para seu coração absorvê-las e guardá-las para sempre.




-@RahLovesIt

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