terça-feira, 26 de outubro de 2010

Mamihlapinatapai


Sea Green, See Blue by Jaymay on Grooveshark

 Ela não tinha uma vida medíocre. Eu acredito...
Não estava longe dos 30 mas não estava mais perto dos 20 também.
Tinha um emprego bom, porém nunca conseguia pagar suas contas. 19 horas do seu dia eram consumidas por afazeres e as outras 5 horas ela tentava dormir.
Dessas 5 horas tentando dormir apenas 3 eram bem sucedidas.

Levava seus dias baseados na rotina que há 7 anos a consumia. Quase nunca tinha tempo pra encontrar com os amigos ou mesmo pra sentar e assistir a algum filme.
Não tinha olheiras porque no caminho para o trabalho as escondia com uma boa camada de maquiagem.
Sempre foi muito atraente, mas nunca teve muito tempo pra namorar. Dizia que era bom manter uma distância confortável de qualquer coisa que pudesse quebrar seu coração.

Aos 18 anos abandonou o que mais amava fazer, escrever. Na mesma época que começou a trabalhar.
E guardou uma frase dita a ela em um dia de muita correria no trabalho:
- Você abandonou a arte pela burocracia.
E naquele momento ela sabia que estava em um caminho sem volta.
Sem coragem pra mudar, sem tempo pra viver, sem vontade de tentar algo diferente.

Em uma quarta-feira, ela acordou atrasada como sempre, vestiu a primeira roupa que encontrou e saiu às pressas de casa. Nesse dia ela não teve tempo de fazer a maquiagem costumeira pra esconder as olheiras e nem tomou o café que a fazia despertar mais rápido.

Ainda no metro a caminho para o trabalho ela lia o mesmo livro pela terceira vez.
De repente as luzes se apagaram e tudo parou.

- Hoje é meu dia de sorte. Metro sem energia só pode ser brincadeira. - ela murmurou com os olhos ainda fixos no livro.

Passado mais de vinte minutos todos os passageiros estavam começando a ficar sem paciência, ela principalmente. Até que lembrou que estava com o seu Ipod na bolsa e isso seria a salvação daqueles minutos infinitos.

Deu play na primeira música do Velvet Underground que conseguiu achar na sua playlist. Agora aquele momento estava menos ruim.
Começou a observar o rosto das pessoas, um mais mal humorado que o outro.
Exceto um, ele era realmente muito atraente, alguém não mais velho que 24 anos mesmo tendo a barba por fazer e roupas um tanto quanto relaxadas.
Ele tinha a aparência de calmo e aquela serenidade a hipnotizou por alguns minutos. Até que ela percebeu que ele também a estava olhando e logo ruborizou. Parou de olhar pra ele e voltou para o seu livro.


Ela sentiu alguém sentar do seu lado, era ele.
Todo gentil puxou conversa sobre o que ela estava ouvindo. Velvet Underground era a banda favorita dele. Conversaram pelos próximos 15 minutos sobre tudo o que vinha a cabeça. Tinham muito em comum e o sorriso dele era algo inédito pra ela, nunca tinha visto um tão bonito.
Trocaram telefones e o metro voltou a funcionar. Ele ligou pra ela no mesmo dia e marcaram de sair na próxima semana. Passaram o resto do dia a lembrar um do outro.

Ela nunca tinha encontrado alguém tão perfeito assim e o começo do namoro foi inevitável. Descobriram que o amor estava surgindo entre eles e que só aquilo importava.
Depois de dois anos alugaram um casa e começaram a morar juntos e cinco anos depois do acaso do Metro o amor deles não diminuiu. Ainda ouvem músicas juntos e nunca falta assunto.




Mas não foi isso que aconteceu, na verdade assim que ele olhou pra ela durante aqueles segundos o metro voltou a funcionar.
As portas abriram, ela colocou o livro na bolsa e saiu em direção ao trabalho.
Ele olhou pra ela através da janela, enquanto ela sumia em meio as outras pessoas. Ele desceu 5 estações a frente.
E nunca mais se viram.





Mamihlapinatapai na língua dos índios yámanas, que habitavam a região da Terra do Fogo na Argentina, que traduz o momento em que duas pessoas se olham, ambas esperando que a outra inicie algo que desejam muito, mas nenhuma tem coragem de começar.



Cheers
@JessyMcLovin

5 comentários:

  1. Mamihlapinatapai... tive vários, um mais frustrante que o outro.

    Um belo texto, muito bem escrito.

    Beijos!

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  2. Já disse que te odeio, Best? =~~~~~~~~~~~

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  3. Meu Deus. Pensei que estava lendo uma história de amor, não um enredo baseado numa vida tediosa e sem esse tipo possibilidades. Exatamente como a minha é.

    Wood.

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  4. Para de ser malvada!
    Está fazendo as pessoas ficarem procurando amores no metrô.
    Texto lindo.

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  5. Preciso deixar de pôr em prática. Voltarei aqui com mais frequencia. PARABENS. Agora 10001

    @perssinotto

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