sexta-feira, 16 de julho de 2010

the last time i saw you


primeiro dia de aula.


Eu gosto de escrever sobre você, sinto que sempre tenho tanto o que falar sobre nós dois, nós que estamos fora da nação sem senso algum. Nós que não somos bonitos, nem gostosos, nem populares, mas com conteúdo... Não que sejamos mais inteligentes (qualé, olha nosso histórico escolar, nossas notas em matemática), mas as pessoas nos taxaram assim, porque não víamos razão para nos enturmamos nas rodinhas de shopping-bundas-sexo.
Então, apesar de tudo, eu ainda escrevo sobre você, eu sei que já escrevi que eu não gostava de você e nem você de mim, mas você sabe que isso é uma das maiores mentiras minha e eu não minto bem. Então, sim, eu ainda lembro de você e sinto falta de você quando quero falar sobre política.

Eu disse aqui que Julho seria um mês bom para todos nós, e acredito que esteja sendo... Claro, que na primeira semana eu já tive uma grande decepção, mas isso é história pra outro dia, não é algo digno para se contar nessa noite fria de julho.
Estava eu com a minha caneca do Superman cheia de chá quente, ouvindo Cat Power e precisando escrever alguma coisa que não fosse sobre o garoto do interior. Lembrei então de você e do nosso período longe um do outro nas férias de julho.

Foi estranho não te ver todos os dias, não ir à biblioteca e trazer uma pilha de livros pra você ficar dando sua opinião, não sentar ao seu lado... Mas é puro exagero, pois nos falávamos quase todos os dias pelo msn.
E ai as férias acabaram, agosto entrou abruptamente e eu ainda me lembro do primeiro dia de volta às aulas. A primeira aula era de geografia e estávamos no laboratório fazendo alguma coisa e eu tinha chegado atrasada, descabelada e com meu all star branco surrado. E você estava lá sentado com sua blusa verde e jeans surrado e eu não sentei ao seu lado, sentei lá no fundo com as minhas amigas.
A aula de geografia como sempre, se arrastou... E eu queria logo nosso canto no fundo da sala. O sinal tocou, eu muito atrapalhada juntei minhas coisas e joguei dentro da mochila e quando me virei você estava lá, daquele jeito desengonçado que só você sabe ser.
Soltei meu “e aí” clássico e você me abraçou, dizendo “saudade de você, broto”.
Você me abraçou de uma maneira que nunca tinha me abraçado, na verdade, nós nunca nos tocávamos. E eu que não sei abraçar pessoas gostei de estar abraçando você, porque era você, o meu amigo acima de tudo, o que gostava dos meus cabelos descabelados e das minhas camisetas de banda rasgadas.

Dia 23 vai fazer dois meses que eu te vi, naquele domingo frio, parado ali do outro lado da rua esperando o sinaleiro fechar. E eu estava descabelada e usando aquela bolsa que você adorava, e você me viu no meio dos carros. E você me olhou nos olhos, e seu olhar teve o mesmo efeito que sempre causou em mim, é como se ele entrasse na minha cabeça, visse tudo o que tinha pra ser visto e saísse, deixando apenas uma risadinha e uma bagunça. E eu sei que causei o mesmo em você, porque você desviou o olhar. E eu continuei olhando.
O sinaleiro abriu, os carros pararam e lá no fundo eu ouvia Cachorro Grande e você vinha andando em minha direção e eu sabia que poderia dizer “e ai” e você se lembraria de tudo, mas não o fiz. Vi o Marlboro acesso na sua mão esquerda e continuei a andar apenas mantendo o olhar em você e sentindo seu olhar em cima de mim. Mas quando nos passamos, eu não virei a cabeça. Suspeito que você também não. E aí eu sorri. Porque lembrei de tudo e foi fácil.
Lembrei das nossas conversas sussurradas atrás das estantes de livros na biblioteca, você me mostrando bandas novas, minhas baquetas que você roubava para fazer malabarismo, nossos depoimentos, nossas capas de caderno rabiscadas uma pelo outro e do seu silêncio, é, sinto falta do teu silêncio.
E sabe o que é melhor? É que eu não fiquei deprimida por lembrar de tudo, das nossas semanas juntos, nossas conversas infinitas sobre o nada, porque a sua lembrança agora é uma coisa boa, sua ausência não dói mais.
Viu como eu estou diferente por fora? Cortei meus cabelos, mas continuo descabelada e usando meus all star surrados, agora carrego uma tatuagem nas costas e vou fazer a do V de Vingança no ombro semana que vem e lembra que você sempre dizia para eu fazer o V em algum lugar do meu corpo?

Eu sou a mesma garota que você conheceu, a diferença é que agora eu atravesso a rua ao mesmo tempo que você mas eu não olho mais para trás para ver a sua reação e nem desvio o olhar.
E nem fico lendo e relendo nossos e-mails mais, agora eles ficam jogados lá minha caixa de e-mails esperando coragem o suficiente minha para apagá-los. Comecei a viver minha vida de novo há muito tempo. Você também não esqueceu. Mas como eu, continua vivendo sua vida.

E essa lembrança do nosso primeiro dia de volta às aulas, é e sempre será uma lembrança doce sua... Agora, nós dois já suportamos o espaço entre nós, certo? É a nossa última lembrança que tenho e espero que esse seja a ultima coisa que escreva sobre nós.

Vou lembrar sempre de você, quando eu cometer loucuras e filosofias, você vai estar lá, em algum lugar da minha mente. Você, seus cigarros Marlboro, seus impropérios, seus jeans surrados e suas manias desengonçadas.
Porque é exatamente essa a diferença entre você e o garoto do interior; ele é só um cara. Você não.
Te vejo por aí, broto.



p.s. da narradora:
ingredientes para inspiração numa quinta gelada: chá quente dentro da xícara do superman, se não tiver chá sirva vinho, mas aquele vinho que borbulha na garganta e te faz esquecer o que quiser.



Let’s get drunk now,
PriiiG

ouvindo: cat power_

Um comentário: